sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Infância




O cheiro gostoso de chuva invade a sala... adoro cheiro de chuva. Lembro quando era criança. Acumulava um pouquinho de água na sacada da cozinha da minha vó e eu já brincava que estava pescando. Pegava uma vara de pescar e ficava pendurada na janela fingindo que os três centímetros de água acumulada eram um rio. Ou pegava uma sombrinha do Piu piu que eu adorava e ficava cruzando o lote da minha vó até a casinha. A casinha era um lugar que meu vô guardava madeiras, ferros e ferramentas e eu usava para brincar, é claro, de casinha, no fundo do lote. Eu levava um boneco de quando minha mãe era criança, o Bobi, e brincava de casinha lá durante horas e horas nos dias chuvosos. Uma vez, cruzando o lote de volta (eu sei que falando assim parece que é uma travessia imensa, mas para uma criança as proporções são diferentes), tinha um bruto de um sapo na porta de entrada do porão. Eu gritei tanto. Por alguma razão quando eu era criança diziam que, se o sapo fizesse xixi nos teus olhos (o que era meio impossível se pensarmos racionalmente, uma vez que o xixi teria que ser tri alto no mínimo), tu ficarias cega. Minha vó desceu as escadas correndo coitada, achando que alguém estava me torturando. Ela diz até hoje que a impressão dela era que as escadas não terminavam nunca. E deu de cara comigo gritando e o rospo (como os gringos chamavam os sapos) me olhando, meio assustado. Hoje em dia os sapos sumiram do lote da minha vó. Ela tem alguns coqueiros, que devem ter mais ou menos a idade da minha mãe. É um tipo bem diferente de coqueiro, na verdade a fruta dele é um coquinho minúsculo. Parece que não há mais muitos por aí. Eu imaginava uma selva super densa a partir desses coqueiros. E no milharam também, no início do ano, quando estavam no auge, bem altos. Mil aventuras.

Isso me faz pensar no Menino Maluquinho. Devo ter lido esse livro inúmeras vezes mais ou menos nessa época. Adorava o filme também. O ator que fazia o menino tinha tudo a ver com o que eu imaginava dele. A essência da infância. Penso nas inúmeras crianças que não tiveram direito a imaginação. Por nascerem em famílias desestruturadas, muitas vezes sem um figura paterna ou materna (ou até mesmo sem os dois), sem alguém que lhe dê o direito de criar suas aventuras imaginárias. E o outro extremo, crianças cuja imaginação foi substituída por jogos eletrônicos e a tecnologia.

Nunca acreditei que uma criança devesse ser muito limpinha. Não me refiro aos hábitos higiênicos, é claro, esses são até uma questão de saúde. Mas acho que toda criança deve ter terra nas unhas, joelhos e cotovelos ralados na areia. Uns arranhões são, no mínimo, indicadores de uma infância saudável. Minha mãe sempre diz que quando eu chegava em casa de criança a vontade dela era me colocar direto no tanque. Tive todos os privilégios de criança: brinquei na rua com minha amiga mais antiga e as vizinhas dela, brinquei de se esconder e se pegar com minha prima e nossos amigos no bairro em que minha vó nasceu, jogamos bola, andei de bicicleta e de patins, mexi na terra tudo o que tinha direito e mais um pouco, comia morango ainda com formigas, depois ainda tive meu querido coelhinho para ser mais um companheiro de aventuras.    

PS: A fotinho é de uma lembrancinha para uma das minhas companheiras de infância.

Um comentário:

  1. Bia, também tenho lembranças de infância muito nítidas em minha mente. Às vezes um cheiro, a luminosidade de um ambiente ou até um barulho característico me fazem voltar totalmente no tempo. Seu relato me fez lembrar de que quando chovia eu ficava da janela vendo a chuva derreter as pontas dos lápis de cor que eu apontava e jogava no quintal. Eu gostava porque surgiam várias matizes e laguinhos coloridos. Que saudades daquela época...

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